Ocorrências de intoxicação por chumbo leva a redobrar cuidados com trabalhadores
Toda a jornada laboral necessita de cuidado com as trabalhadoras e trabalhadores, e quando ocorre um acidente, a reparação precisa ser imediata, especialmente com quem lida com materiais perigosos e tóxicos como o chumbo.
A Norma Regulamentadora que determina os cuidados e lista os agentes químicos nocivos é a NR- 15 e o anexo IV do decreto 3.048/99. Nesses documentos consta a Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ), com informações sobre o agente químico, controle de exposição, propriedades físicas e químicas. As empresas que lidam com esses produtos precisam estar alertas para a distribuição de Equipamentos de Proteção Individual adequados, bem como os treinamentos necessários e outras demandas para evitar contaminações de pessoas e meio ambiente, inclusive com a disponibilidade de ações informativas à comunidade do entorno.
Intoxicação por chumbo
Infelizmente, contudo, é visto muitas ocorrências que param na Justiça. Em outubro de 2022, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) condenou, por maioria, uma multinacional a indenizar trabalhadores que foram expostos ao mercúrio, chumbo, cádmio e xileno (xilol), utilizados de 1961 a 2006. “O direito à reparação por acidente/doença do trabalho decorre de dano ao direito à vida, no qual se inclui o direito à saúde e a meio ambiente saudável e equilibrado, incluindo o do trabalho, bem como de dano aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, argumentou o voto do desembargador Álvaro Alves Nôga, à época e divulgado no Consultor Jurídico (Conjur).
Já em 2021, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) determinou o pagamento de uma indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil, a um operador de refino de uma metalúrgica que foi intoxicado pelo metal. Na alegação, o trabalhador descreve que mantinha contato direto com o metal tóxico em suas atividades, causando uma elevação no índice de plumbemia (intoxicação por chumbo) no seu sangue. “Ele chegou a ser afastado do trabalho por cerca de um ano e meio, em razão da intoxicação, recebendo benefícios previdenciários”, informa o Conjur.
Danos à saúde
Outro caso emblemático é o da Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), que despejou na atmosfera, águas e solo 500 mil toneladas de escória contendo chumbo e cádmio, na região de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. A empresa se instalou na cidade em 1960 e ficou até 1993, deixando funcionários com problemas sérios de saúde, como lesões renais, cognitivas e até câncer, e danos ambientais irreversíveis. “Ex-funcionários afirmam que o serviço médico da empresa não emitia o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) quando algum trabalhador ficava doente (…). A notificação era muito precária porque não se tem como especificar quais são as doenças decorrentes da contaminação por metais pesados”, explicou ao Jornal Correio 24 horas, o pesquisador da Universidade Federal da Bahia Fernando Carvalho, que participou de um minucioso levantamento sobre doenças cardíacas graves na localidade. ”No município se tem má-formação cardíaca grave em que o chumbo está envolvido”, ressaltou.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o chumbo como um dos 10 produtos químicos de maior preocupação de saúde pública e que precisam de ação dos Estados-membros para proteger a saúde de trabalhadores, crianças e mulheres em idade reprodutiva. A recomendação, informa o órgão, é que sejam tomadas medidas de redução e a exposição a todos os indivíduos com um nível no sangue superior a 5 ug/dl. A OMS, aliás, realizou em outubro de 2022, a Semana Internacional de Prevenção da Intoxicação por Chumbo, com ações e discussões com a temática.
Outra pesquisa, financiada pelo Banco Mundial, estima que a contaminação pelo material tenha causado a morte de 5,5 milhões de adultos por problemas cardiovasculares no mundo em apenas um ano (2019).“Isso é cinco vezes mais que estimávamos anteriormente. Também percebemos nesse recorte, um aumento de casos de problemas na medula, além de coração, em adultos. Já nas crianças, a exposição desse metal até os três primeiros anos de vida pode causar problemas cognitivos e neurológicos”, explicou ao Jornal da Cultura, Bjorn Larsen, consultor do Banco e autor do artigo.
Ações preventivas
O caso da Cobrac gerou aos pesquisadores uma articulação para elaboração de um Protocolo de Vigilância em Saúde de população exposta a metais pesados. O artigo, de 2019, escrito por Rita Franco Rego, Louise Oliveira Ramos Machado, Gerluce Alves e Ila Rocha Falcão, disponível no SciELO, visa analisar avanços e obstáculos encontrados. “Poucas experiências no Brasil retratam a avaliação de protocolos de vigilância ambiental e em saúde do trabalhador implantados pelo SUS em áreas afetadas por contaminantes ambientais”, observam as pesquisadoras.
A preocupação é global e também foi pauta recente do Conselho da União Europeia. Foi fixado um período transitório (até 31 de dezembro de 2028) para dar aos Estados-Membros a aplicabilidade de medidas de gerenciamento de riscos e adaptaçãode processos de produção a fim de cumprir o novo valor-limite biológico para o chumbo. “A UE dispõe de regras para limitar a exposição ao chumbo desde 1982. A proposta da Comissão, publicada em 13 de fevereiro de 2023, reduz o limite de exposição profissional ao chumbo de 0,15 mg/m³ para 0,03 mg/m³, e o valor-limite biológico de 70µg/100ml para 15µg/100ml”, destaca nota oficial do órgão.
Celeridade, essa é a palavra para que o bem maior das pessoas, a saúde, seja preservada para que vidas não sejam ceifada por conta desses agentes nocivos.
Foto: reprodução