Fonte: Jornal da USP
O trabalho que se repete diariamente, acompanhado de esforço, acaba gerando dores e prejuízos à saúde – são os chamados “transtornos traumáticos cumulativos”. Artigo publicado na revista Saúde e Sociedade apresenta resultados de uma pesquisa que enfocou o transtorno conhecido por LER (Lesões por Esforços de Repetição) ou DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho).
Ao contrário do que se imagina, esse transtorno não acontece só no trabalho com computadores. Toda atividade que envolve esforço repetitivo tem consequências. O estudo apresentado, por exemplo, foi feito em um hospital público de grande porte, em Porto Alegre (RS), com atendentes da Seção de Distribuição de Alimentos acometidos por LER/DORT. Os resultados revelados pelas entrevistas mostram “modos de organização do trabalho e gestão com cobranças excessivas, assédio moral e falta de reconhecimento no trabalho, que geram sofrimento e influenciam nos processos de adoecimento”. Para os autores, a produtividade a qualquer custo, característica do sistema capitalista, provoca um impasse nas relações sociais de trabalho, comprometendo assim a saúde dos trabalhadores.
Na Seção de Distribuição de Alimentos, contam os pesquisadores, foram entrevistados atendentes de nutrição, sendo estes selecionados por sofrerem exigências físicas além do normal, no trabalho, que acabaram por provocar LER/DORT e influenciar os índices de faltas por motivo de doença, segundo informações obtidas no Serviço de Medicina Ocupacional desse hospital. A maioria dos atendentes participantes da pesquisa eram mulheres atuando em copas de internação, algumas em bancos de leite, central de alimentação especial e de emergência, entre outros setores.
Como método foi aplicado um questionário e foram realizadas entrevistas coletivas com 19 atendentes, na maioria funcionárias de copas, entre 25 e 59 anos, com escolaridade entre fundamental incompleto e superior incompleto e de três a 10 anos de serviço, apresentando “algum sintoma osteomuscular em várias regiões do corpo: em ombros, punhos/mãos, coluna lombar, entre outras regiões corporais, e algumas delas com sintomas em mais de uma região”, com características de dor crônica que levou os atendentes à automedicação. O afastamento por LER nesse setor indicava uma elevada sobrecarga de trabalho, revelando que a falta de pessoal e condições inadequadas de infraestrutura da instituição podem contribuir para elevar o absenteísmo.
Constatou-se que as técnicas de nutrição controlavam rigidamente as atendentes, com escalas de trabalho em constante mudança e diversas tarefas a serem cumpridas ao mesmo tempo: “das datas de validade dos alimentos (sobremesas, sucos etc.), além dos controles e registros em planilhas dos tempos e temperaturas de geladeiras, das refeições, entre outras tarefas”. Os registros das “falhas” eram arquivados em uma “pasta pessoal” de cada trabalhador, medidas tomadas em razão das “atuais ideias culturais do culto ao desempenho”. As atendentes que não reclamavam, que não questionavam, que se submetiam às exigências e “ordens” das técnicas eram cercadas de privilégios.
O assédio moral das técnicas para com as atendentes foram expressos nos depoimentos marcados por sentimentos de impotência e injustiça. “O assédio moral é uma forma de violência que afeta a saúde mental da pessoa […] Algumas eram humilhadas por não terem concluído o ensino médio e/ou algum nível técnico, como se fossem culpadas por essa situação”. Os autores ressaltam os resultados “perversos e danosos” de alguns modelos atuais de gestão hospitalar e a importância da criação de “espaços de escuta e discussão entre os trabalhadores e com a participação dos profissionais de psicologia do serviço de medicina ocupacional do hospital”, para atender às necessidades dos funcionários, além de constantes conversas e debates entre todos os envolvidos nesse processo.
Maria do Carmo Baracho de Alencar é do Departamento de Gestão e Cuidados em Saúde da Unifesp.