Princípio da gamificação auxilia na segurança do trabalhador, mas precisa de orientação, reforçam pesquisadores
Já falamos aqui, no portal da CIPA, sobre os benefícios dos jogos, ou da gamificação, na segurança de trabalhadoras e trabalhadores. De simuladores digitais ao jogo de tabuleiro em papel, essas ferramentas podem ser aliadas para que a jornada laboral esteja em conformidade, evitando acidentes.
Lançar luz à importância da proteção no ambiente laboral, aliás, é um pensamento que precisa estar presente antes mesmo do ingresso ao mercado. O projeto de Extensão “Educação em Saúde e Segurança do Trabalho: a gamificação na construção do conhecimento dos futuros trabalhadores”, com a orientação do professor Fábio Morais Borges, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), lançou em 2021 dois aplicativos didáticos de celular para aprendizagem de conceitos básicos de SST, o Gamifica SST, com perguntas e respostas sobre o tema; e Tabuleiro SST, em que o jogador entende a importância de observar riscos no ambiente de trabalho. A intenção é levar o conceito de SST a jovens e crianças, informa nota da universidade.
Gamificação
Outro recente é da Startup Sesi que, por meio de sua equipe de Health Tech, criou um game para realizar o monitoramento da saúde do trabalhador das indústrias sul-mato-grossenses. Segundo informações do Sesi, o sistema estimula o trabalhador a realizar uma série de tarefas virtuais em um simulador, identificando o nível da percepção de risco de acidentes. Outro projeto é o ambiente virtual para que o colaborador aprenda, de forma interativa, a usar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Essa ação foi feita em uma indústria multinacional do ramo de celulose baseada em Mato Grosso do Sul, em 2022. “A utilização de simuladores de realidade virtual e aumentada na área da saúde tem se expandido nos últimos anos, e essa tecnologia pode ser aplicada em diversas áreas, incluindo psicologia, nutrição, educação física, ergonomia e medicina. Na indústria, esses simuladores podem ser especialmente úteis para ajudar os trabalhadores a lidar com situações desafiadoras e potencialmente perigosas”, explica Odilon Moura, gerente da startup do Serviço Social da Indústria.
Jogo dos Erros
Uma parceria entre a startup Treinamundi e a Vetor Editora fez com que fossem desenvolvidos jogos de tabuleiro para o mundo corporativo. Para exemplificar, a pedido da concessionária de energia CPFL, foi criado o Giro do Mindset. Trata-se de uma jornada a partir de três situações distintas (cotidiano, relações amorosas e criação na infância), em que são estudadas como alguns comportamentos podem bloquear o desempenho. Divididos em dois times, os participantes passam por três rodadas com desafios que demonstram dois tipos de mindset: o limitante e o de desenvolvimento. “Se os pais criam um filho apenas elogiando o bom desempenho nas provas, por exemplo, acabam reforçando o mindset limitante. A partir do momento em que as provas se tornam mais difíceis, a criança acaba escondendo dos pais essa situação, pois acha que vai decepcioná-los. O mindset de desenvolvimento é estimular a estratégia para obter boas notas, como prestar atenção, no caso”, explica Flávio Yoshimura, fundador da Treinamundi.
Outra ação vem do Hospital Estadual de Urgência e Emergência São Lucas, em Vitória, ES. Para conscientizar seus servidores durante o Abril Verde, realizou uma série de atividades lúdicas, como o tradicional Jogo dos 7 Erros. “Nosso objetivo é provocar o pensamento crítico e o ajuste da conduta, quando necessário, a partir do entendimento de que cada um precisa fazer a sua parte. Depois de algumas atividades, os participantes assinaram de forma simbólica um Termo de Compromisso com a Segurança”, salienta Rogério Araújo, engenheiro de Segurança do Trabalho do estabelecimento.
Precaução, orientação e conversa
Contudo, a aplicabilidade desses jogos precisa ser bem estudada e não pode ser um fator punitivo dentro das empresas, alertam os especialistas. “Gamificar as coisas podem torná-las mais interessantes, a aprendizagem mais desafiadora, pode ser um recurso interessante. A questão não é o recurso, não é a tecnologia, é o seu uso. Como esse procedimento tem sido utilizado? Com quais intenções?”, questionou Renata Paparelli, psicóloga especialista em saúde do trabalhador, ao podcast Trabalheira, do Repórter Brasil.
Para a psicóloga, as corporações que exigem alto desempenho de seus funcionários precisam também ter em mente que essa proposta pode causar mais desgastes que benefícios: “Costumo brincar que atleta de alto desempenho têm uma carreira curta, por conta das diversas sequelas desse processo extremamente exaustivo. Gamificação em si não é um problema, a questão é a forma como é usada e a finalidade dela para não se tornar uma armadilha”, reforça.
Outro bom exemplo de como o uso dos games podem auxiliar na orientação em SST é o “Acidente Zero”, criado pelo professor Carlos Severo, Instituto Federal Sul Rio Grandense, campus Bagé, voltado aos estudantes do curso técnico em edificações. O tabuleiro simula um canteiro de obras com situações-problemas que precisam ser sanadas. “De acordo com o desafio, aluno tem que responder corretamente para prosseguir no jogo”, esclareceu ao mesmo podcast.
É evidente que o uso de atividades lúdicas, como os jogos por meio da gamificação, pode ser uma saída importante para o desenvolvimento profissional e a conversa, escuta ativa e constante capacitação são elementos essenciais não apenas para a SST, mas também para a própria efetividade desses jogos. “O desenvolvimento da aprendizagem melhorou muito e mensuramos isso por meio de entrevistas com os estudantes e professores. Parece que tira um pouco daquele peso do aprender, principalmente em disciplinas que exigem mais do estudante, por serem mais complexas. Notamos que o uso desse princípio da gamificação tem trazido resultados bem significativos”, concluiu o professor.
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