Acidentes em obras de construção civil mostram que ações pontuais e multidisciplinares são necessárias para a cultura prevencionista
Os recentes acidentes ocorridos em obras na cidade de São Paulo, na Chácara Santo Antônio, e em um supermercado, no bairro Belvedere, em Belo Horizonte, chamaram a atenção para a importância da cultura da prevenção contra acidentes de trabalho na construção civil.
Os dois casos ocorreram no dia 17/10. No primeiro, um andaime utilizado na construção de um edifício de 33 andares caiu, no bairro paulista Chácara Santo Antônio, matando um operário e deixando outros funcionários pendurados a 140 metros de altura. O acidente ainda está sendo investigado pela Polícia Civil e uma equipe de perícia de engenharia. No segundo acidente, que ocorreu em uma obra de supermercado, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, um talude, com cerca de três metros de altura, teria se desprendido e quatro pessoas morreram soterradas, sendo três homens e uma mulher.
A indagação premente do setor prevencionista é de que “apesar de todas as normas de proteção, EPIs, EPCs e treinamentos existentes, por que esses acidentes ainda acontecem!”. O fato é que são diversos os fatores que podem contribuir para a ocorrência de acidentes de trabalho na construção civil, assim, como também existem as formas de evitá-los.
Indústria da construção
Para Jófilo Moreira Lima Júnior, engenheiro de Segurança do Trabalho e consultor em Segurança e Saúde do Trabalho, quando se trata da indústria da construção é necessário considerar algumas questões específicas em torno do setor, entre elas, a construção pesada, a montagem industrial e as edificações, que fornecem produtos únicos e não seriados; como as obras de uma residência, de uma estrada, uma ponte, ou seja, dentro de todos esses cenários temos muitas partes envolvidas desde o profissional projetista, o construtor, o usuário e o dono da obra. Além disso, temos o cronograma que impõe prazos, muitas vezes sofremos influências das condições climáticas, as horas extras para executar o trabalho e uma série de outros fatores que devem ser considerados nesta atividade. “Devido a isso, a alta incidência de acidente de trabalho e, particularmente, os acidentes graves e fatais estão na indústria da construção. Isso, sem contar que a mão de obra, muitas vezes, tem que ser bem formada e motivada para atender o arcabouço preventivo. Sendo assim, está tudo dentro de um contexto em que o cumprimento da legislação é o critério mínimo no sistema de gestão de um canteiro de obras”, salienta.
O especialista destaca, com base nisso, que, hoje, o cumprimento das normas é essencial para fazer um bom programa de segurança. “Eu digo sempre que a segurança e a saúde começam no planejamento, na prancheta. É importante levar em conta esse aspecto. E todas as fases da obra têm que ser efetivamente gerenciadas. No caso da norma específica brasileira, a NR-18, é importante ser cumprida em todos os seus detalhes, bem como a NR-1, a NR-35, a NR-10, entre outras normas que têm interface com a área de construção civil. Somadas a elas temos que atender as norma de edificações e a de condições de higiene e saúde”, diz.
Gerenciamento do ambiente de trabalho
O consultor ressalta que se tivermos um efetivo gerenciamento do ambiente de trabalho, cumprindo essas normas, com a empresa tendo um compromisso com a política de segurança e saúde ocupacional, com indicadores claros de desempenho e uma ação em nível de concepção de projeto, boa parte desses acidentes, graves e fatais, seriam gerenciados. Ele lembra também da importância da questão da saúde do trabalhador. “Temos vários problemas de saúde que afetam os profissionais desse setor, desde os voltados às questões ambientais, bem como, a própria questão da pandemia do novo coronavírus, que enfrentamos recentemente”, destaca Jófilo Lima.
Outro aspecto importante a considerar é que o Brasil ratificou a convenção nº 167 , da OIT, em maio de 2006, e temos também a recomendação nº 175 sobre segurança e saúde na Construção Civil. “A Convenção 167 deixa claro a necessidade de planejamento e de coordenação da segurança e saúde nas obras. E as pessoas relacionadas com esse projeto e planejamento devem ter em conta a segurança e saúde dos trabalhadores”, informa.
O especialista avalia que seja importante que, num futuro, a legislação nacional leve em conta o que os projetistas devem fazer para atender as questões relacionadas à segurança e saúde na fase de projeto, e quais as suas reais responsabilidades em caso de ocorrência de um acidente laboral.
Considerando a importância de se evitar acidentes, Jófilo Lima avalia que alguns dos problemas no seu entendimento são a falta de educação, não só dos encarregados, engenheiros de obra, mestres, pois existe a necessidade de ter uma análise de risco permanente em cada fase da obra, ter os diálogos diários de segurança (DDS), por exemplo. “A própria Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, a CIPA, tem que ter uma participação intensa, conhecer exatamente as medidas de controle, conhecer o que está previsto no programa de gerenciamento de risco. Essas medidas não podem ser consideradas como se fosse só uma coisa formal e de gaveta”, alerta o engenheiro de SST.
Equipe multidisciplinar
Além disso, é importante que os trabalhadores tenham uma percepção dos riscos a que estão expostos, e com essa percepção, de acordo com Lima, os gestores responsáveis pela SST têm que, ao mesmo tempo em que analisa o ambiente de trabalho, analisar também o perfil do trabalhador, quais são os seus hábitos e costumes, seu nível cultural, suas tradições, e fazer com que a formação e informação deles sejam voltadas para sua realidade de vida.
O especialista observa ainda que os fatores que causam acidentes são os mesmos que podem potencializar os riscos de demanda nas esferas trabalhistas, previdenciárias, cível, penal, afetar a imagem e o crescimento corporativo, colocando em risco a própria sobrevivência da empresa e do negócio no mercado. “Esses fatores acarretam desperdício, retrabalho, alteração no cronograma, baixa qualidade do produto, baixa produtividade e comprometimento da qualidade”, pontua.
Jófilo Lima salienta, portanto, que para que o profissional prevencionista venha a ter o objetivo final do gerenciamento de riscos ocupacionais alcançados, é importante comprometimento, liderança, motivação e participação da alta direção da empresa, dos seus gerentes, respeitando a ética e a legislação vigente, alocando recursos necessários para manter este sistema funcionando. “Além disso, é essencial uma consulta e participação dos trabalhadores, alinhados com a questão da comunicação e formação também, assim como a contratação de profissionais para atender essas questões todas, porque o gerenciamento de risco tem que ser feito com uma equipe multidisciplinar, que envolve muitas áreas de conhecimento”, orienta.
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