Controvérsias em torno da NR-36: um olhar sobre o setor frigorífico

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Não são inéditas ou recentes as controvérsias de natureza ocupacional em relação à saúde e à segurança no setor frigorífico, que emprega atualmente mais de 550 mil trabalhadores em todo o país.

O Ministério Público do Trabalho (MPTrotula as atividades no setor econômico como trabalho penoso, de ritmo intenso, sujeito a baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, exposição a agentes biológicos, entre outros. Isso não é novidade, pois a instituição atua com firmeza para garantir adequadas condições de trabalho no setor econômico.

É justificável um olhar atento e preventivo sobre o setor cuja atividade industrial é responsável pelo maior número de acidentes do trabalho no Brasil. Ilustrativamente, conforme dados oficiais, entre 2016 e 2020 foram registrados 85.123 acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no setor, com um total de 64 óbitos.

De um apanhado histórico, colhe-se que em 2004 foram iniciadas discussões sobre a necessidade de maior regulamentação, embrião para a Norma Regulamentadora nº 36 (NR-36), por meio da criação de equipes de pesquisa no setor frigorífico e da elaboração de nota técnica sobre o funcionamento dessa indústria. Já em 2011 foi criado pelo MPT o Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos, que visava a contribuir para a diminuição das doenças ocupacionais e acidentes de trabalho no setor, o que motivou a realização de inspeções e termos de ajuste de conduta.

 

Requisitos mínimos

 

Com o avanço de várias frentes de trabalho, em 2013 foi oficialmente publicada a NR-36, com o objetivo de estabelecer requisitos mínimos para avaliação, controle e monitoramento dos riscos existentes no setor.

Embora louvável, a NR-36 estava inserta no rol das normas regulamentadoras que eram objeto de críticas e se almejava reformulação em tom de modernização e maior reflexo em práticas do cotidiano, sem se perder o caráter técnico e preventivo. Perfilhou-se, pois, entre as normas objeto de agenda, iniciadas em meados de 2019, a revisão das normas regulamentadoras com o objetivo de simplificar, desburocratizar e consolidar a legislação de saúde e segurança ocupacional, adaptando-se às mudanças dos ambientes e das condições de trabalho. Com o declarado intuito de flexibilização, simplificação e consolidação das normas regulamentadoras, o governo federal iniciou os trabalhos de alteração e revisão da NR-36.

As empresas do setor defendem a revisão porque entendem necessária a atualização e o ajuste das regras às mudanças no mundo e ambiente de trabalho, além da harmonização da NR-36 com as demais normas regulamentadoras, em especial as NR-1 e NR-17, recentemente atualizadas.

Uma das principais demandas do setor é o fim das pausas psicofisiológicas, previstas não só na NR-36, mas também no artigo 253 da CLT e na Súmula 438 do TST. O principal argumento das empresas é o de que as pausas não devem ser padronizadas, mas adequadas e adotadas quando definidas pelos estudos ergonômicos feitos pelas próprias empregadoras.

Em paralelo à revisão da NR-36, foi também proposto Projeto de Lei de Conversão (PLV) da Medida Provisória nº 927/2020, que pretendia restringir as pausas apenas para trabalhadores que atuam em ambientes abaixo de 4º C ou que transportam produtos a câmaras frias.

Por seu turno, o MPT emitiu nota técnica rechaçando o PLV e, ato contínuo, optou por judicializar o tema, com pedido de suspensão dos procedimentos de revisão da NR-36, sob os seguintes fundamentos centrais:

1) ausência de consulta prévia às populações indígenas, a considerar que o setor emprega cerca de dez mil trabalhadores indígenas; e

2) inconsistência do relatório de análise de impacto regulatório, estudo do governo que justificaria a necessidade de revisão da NR.

 

Insegurança jurídica e técnica

 

O Parquet laboral sustenta que a decisão relativa à suspensão da tramitação da NR-36 não prejudicaria o setor, pois já existiria norma em vigor, com obrigações assimiladas e conhecidas pelas empresas e seus empregados, além de manter a segurança jurídica e o ambiente concorrencial em níveis saudáveis. Após negado o pleito em primeiro grau, o MPT impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, o qual foi atendido pelo voto do desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, do TRT-10ª Região, sob pena de incidência de multa diária de R$ 50 mil. A decisão ainda não é definitiva e aguarda julgamento final.

É pesaroso ver tamanha litigiosidade em torno de mudanças nas NRs. É fonte de grande insegurança jurídica e técnica. As contendas em torno da NR-36 não são isoladas. Antes, em similar contexto, o MPT também desafiou pretensão de alterações em normas regulamentadoras (ACP nº 0000317-69.2020.5.10.0009, em curso perante a 9ª Vara do Trabalho de Brasília), cuja liminar restou em vigor até decisão do ministro Douglas Alencar Rodrigues, do TST. Compartilhamos da judiciosa visão do excelentíssimo ministro de que extrapola a competência da Justiça do Trabalho debater elaboração e revisão das normas regulamentadoras e, portanto, não haveria impedimento a que as discussões tenham continuidade.

A reiterada litigiosidade, por vezes com momentânea suspensão dos procedimentos de revisão de NRs, concretiza, em ares práticos, solavanco que não se harmoniza com intenção de modernizar normas de setores econômicos, em prol de empregados e empresas. Se de um lado da balança a sociedade anseia por menor burocratização e normas que confiram maior previsibilidade operacional e segurança jurídica, de outro, não se pode descurar da salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, nem da essencialidade de tornar mais claras as disposições legais exigidas. É necessário ampliar o diálogo, modernizar e adaptar as normas ocupacionais, em harmonização com o cenário vigente, sem prejuízos à saúde e à segurança do trabalhador e de forma a evitar sobreposições com outros comandos normativos.

Ao MPT e aos órgãos administrativos seguem disponíveis instrumentos de controle. Alterar não pode ser automaticamente associado a retrocesso ou desregulamentação. Eventual descumprimento pode ensejar sanções administrativas (multas, embargos de equipamentos, máquinas e obras e até mesmo interdição de estabelecimentos) e repercussões civil e criminal.

 

Fonte: Conjur

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