Educadores: sequelas da pandemia, pressão e desvalorização ameaçam saúde mental nas escolas
Sentimento de impotência, ansiedade, desânimo, insegurança e pensamentos negativos têm sido documentados entre educadores(as) de todo o país desde o retorno presencial às aulas.
Após as aulas remotas, um período de grandes incertezas marcado pela sobrecarga, pressão social e pouco suporte do Estado, trabalhadores(as) da educação encontraram, na volta às salas de aula, um ambiente diferente, mais hostil e difícil de lidar.
A transição abrupta do distanciamento para salas lotadas, a indisciplina e defasagem pedagógica dos(as) estudantes e as marcas psicológicas do isolamento ameaçam a saúde mental da categoria enquanto o governo tem pouco a ofertar aos(as) educadores(as).
Novos desafios
Falta apoio psicológico e formação para lidar com os novos desafios, valorização da carreira e reconhecimento. Mas sobra pressão por resultados, apesar da situação absolutamente atípica.
A APP-Sindicato informa que as visitas às escolas e em seus canais de comunicação, traz um retrato da situação atual. Para a sanitarista e especialista em saúde coletiva, June Maria Passos Rezende, o período de aulas remotas já foi de agravamento da saúde mental da categoria. “O trabalho domiciliar já era importante para professores antes da pandemia. Com a Covid-19, as atividades exercidas no território da escola entraram em casa, incluindo a carga horária destinada a aulas e reuniões, o que tornou a rotina muito pesada”.
O professor Eduardo Gonçalves, do Colégio Estadual do Paraná, lembra que, na época, era visível nas expressões, nas falas e no comportamento dos(as) colegas o medo do retorno. “O governo estadual adotou, desde essa época, uma linha de pressão e mais pressão sobre professores(as), funcionários(as) e estudantes buscando a responsabilização individual pela falta de informação e estrutura [nas escolas]”.
Momento de transição
O médico do trabalho Elver Andrade Moronte avalia que os(as) trabalhadores(as) da educação precisaram lidar com diversas dificuldades sociais. “Todos estão ainda em momento de transição. É comum que muitos ainda mantenham a sensação de estranheza. Medo, angústia, insegurança e tristeza infelizmente fazem parte desse retorno”, explica Moronte.
Nas escolas onde Eduardo trabalha, ele comenta que não eram raras as situações em que professores(as) e funcionários(as) manifestam sinais de exaustão física e mental.
“Inúmeros educadores(as) padecem diariamente nas escolas para terem ‘resultados’, independente do luto, da falta de equipamentos, da falta de formação para lidar com as novas tecnologias. A escola tem virado cada dia mais uma empresa”, denuncia o professor.
“Todo esse quadro aliado a uma rede precária no conjunto das escolas do estado do Paraná e os salários defasados contribuíram para questões de ansiedade entre os profissionais e estudantes”, complementa Eduardo.
A secretária de Saúde e Previdência da APP-Sindicato, professora Tereza Lemos, confirma que o número de professores(as) e funcionários(as) de escola que estão afastados por doenças mentais como depressão, síndrome do pânico e fobia social tem aumentado.
“São dados incompletos, pois a doença mental ainda é um tabu. Isso tem nos preocupado. Não bastasse o desafio do cotidiano da escola, a categoria também tem que lidar com estudantes que estão passando por dificuldades da mesma natureza. Muitos(as) perderam pais, mães e familiares para a COVID-19 e essa é uma dor silenciosa”, reforça a dirigente.
Sinais de alerta
Observar os sintomas e procurar tratamento são os primeiros passos para cuidar de si: “quaisquer alterações do sono, batimentos acelerados do coração, pensamentos negativos repetidos, dores pelo corpo, mudanças no apetite: isso tudo pode ser um sinal de alerta. Por fim, algumas pessoas podem se sentir desanimadas, entristecidas. Em todas essas situações, é muito importante que se procure apoio”, acrescenta o médico Elver.
June ressalta, ainda, que a saúde mental dos(as) educadores(as) já sofria impactos na conjuntura anterior à pandemia.
“Situações de sofrimento e adoecimento mental já eram bastante incidentes na categoria, em decorrência da inadequação das condições de trabalho e especialmente de fatores relacionados à organização do trabalho. Podemos citar como exemplo fatores como a desvalorização social, o excesso de alunos por sala, relações interpessoais precárias, jornadas estendidas e intensificadas, excesso de responsabilidades, alta demanda de habilidades sociais e emocionais, escassez de recursos materiais, pressão por resultados, escasso tempo para atividades fora de sala de aula, baixa remuneração, baixo investimento em formação continuada, dentre outros”, enumera.
O que a APP está fazendo?
A direção da APP participou no último dia 19 de uma reunião com o secretário de Administração e Previdência do governo estadual, Elizandro Pires Frigo, e com o chefe da Divisão de Asistência à Saúde (DAS), Dr. Eduardo Michiat para tratar do adoecimento mental da categoria. “Ficou definido na reunião que ampliaremos o debate com a participação da Secretaria da Saúde do Estado para buscar medidas que possam melhorar o quadro”, salienta Tereza .
Um outro ponto debatido foi a realização da Conferência de Saúde, que já deveria ter ocorrido. “O secretário assumiu o compromisso de, a partir do trabalho conjunto com a Comissão de saúde do FES, realizar a Conferência ainda este ano”
A APP-Sindicato reforça que as dificuldades vividas durante as aulas remotas e, hoje, com a retomada presencial, foram e são agravadas pelas perdas salariais acumuladas e ataques a direitos, incluindo aqueles que desconsideram o trabalho essencial desenvolvido no período, como o congelamento de anuênios, quinquênios, progressões e promoções.
Outro componente inegável é a pressão por resultados advinda de políticas pedagógicas irreais, baseadas em metas arbitrárias e sem o devido suporte tecnológico do Estado.
“O governo precisa olhar o professor e o funcionário como parte fundamental da formação da sociedade. Somos trabalhadores que contribuem para a formação de outros tantos profissionais, por isso merecemos e temos direito a políticas públicas que contemplem o nosso bem-estar físico e mental”, garante Tereza Lemos.