Por Márcia Alyne Yoshida
Em decorrência da pandemia de Covid-19 e a necessidade do distanciamento social, muitas empresas foram obrigadas a adotar o home office, tendo surgido dúvidas quanto à responsabilidade do empregador nos casos de acidente de trabalho ocorrido na residência do empregado.
Muito embora inexista legislação específica sobre o assunto, o art. 6º da CLT esclarece que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância”, ou seja, o home office está sujeito às mesmas regras do trabalho realizado nas dependências das empresas.
Assim, a ele aplica-se o disposto no art. 157, inciso II, da CLT, que impõe às empresas o dever de “instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.
Aplicável também o artigo 19, §1º, da Lei 8.213/1991, que determina que “a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”, sendo responsabilidade do empregador zelar pela segurança do ambiente de trabalho dos empregados em home office.
Reforçando a responsabilidade do empregador, o Ministério do Trabalho divulgou a Nota Técnica 17/2020 indicando diretrizes a serem observadas pelas empresas a fim de garantir a proteção de teletrabalhadores e trabalhadores em home office.
De se concluir, portanto, que o deslocamento do local de trabalho para a residência do empregado não retirou do empregador o dever de zelar pela saúde dos empregados e pela manutenção de um ambiente de trabalho seguro, continuando ele responsável pela orientação, treinamento e fiscalização quanto ao cumprimento das medidas de saúde e segurança do trabalho.
Dessa forma, muito embora a responsabilidade pelo acidente de trabalho seja, em regra, subjetiva e dependa da comprovação da culpa da empresa, os acidentes ocorridos na residência do empregado durante o desempenho da atividade profissional, bem como a doença ocupacional decorrente do ambiente de trabalho inadequado, serão de responsabilidade do empregador, tendo os empregados em home office os mesmos direitos que teriam caso sofressem o acidente ou desenvolvessem a doença ocupacional nas dependências da empresa.
A jurisprudência sobre o assunto ainda é escassa, mas o TRT da 24ª Região, ao julgar o Recurso Ordinário nº 0024280-79.2016.5.24.0002, entendeu que “O labor prestado em domicílio, a exemplo do teletrabalho, não exime o empregador da fiscalização das condições laborais, especialmente quanto à ergonomia (art. 75-E da Lei Consolidada – CLT), pois a redução dos riscos inerentes ao trabalho constitui garantia constitucional do empregado e dever do empregador (inciso XXII do art. 7º da Carta Suprema e nas normas constantes da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico nacional e, portanto, integrante do bloco de constitucionalidade, pois diz respeito ao direito fundamental à saúde e à segurança do trabalhador, integrando o dever geral de proteção do empregador, pois ao criar, organizar e dirigir a empresa, o empresário ou empregador gera não apenas riscos econômicos do negócio, mas também para a segurança das pessoas que laboram em benefício da organização.”
A Justiça também analisou o caso de uma promotora de vendas que escorregou na escada de sua casa e fraturou o pé quando saía para realizar trabalho externo. A empresa alegou que o acidente foi doméstico e não relacionado à atividade profissional. No entanto, o TRT do Pará reconheceu e o TST manteve o acidente de trabalho, por entender que “No caso, é perfeitamente possível reconhecer a casa como local do seu trabalho, haja vista que ali executava funções relacionadas com seu emprego”, tendo ainda citado o exemplo do digitador que trabalha em casa e por conta do trabalho excessivo é vítima da síndrome do túnel do carpo e “deve ser protegido da mesma maneira do que aquele que executa o ofício dentro da empresa.” (RR-32400-96.2009.5.08.0004)
Assim, levando-se em consideração os inúmeros dispositivos legais de proteção ao empregado, bem como o entendimento dos Tribunais, de se concluir que, excetuando-se os casos de culpa exclusiva do empregado e acidente doméstico, o empregador é sim responsável pelo acidente de trabalho ocorrido na residência do trabalhador em home office.
Márcia Alyne Yoshida é sócia da área Trabalhista do Boccuzzi Advogados Associados