Multa que produtora do filme Rust, nos EUA, levou, mostra importância da análise de acidentes do trabalho
No dia 21 de outubro de 2021, durante as gravações do filme Rust, estrelado e produzido pelo ator Alec Baldwin, um acidente com uma arma de fogo levou a óbito a diretora de fotografia Halyna Hutchins, de 42 anos. Joel Souza, diretor do longa, também ficou ferido com o tiro acidental.
Segundo consta nas investigações, o protagonista do filme Alec Baldwin ensaiando ou filmando uma cena do filme dentro de uma igreja com uma arma de fogo que deveria estar com balas de festins, mas que estava com pelo menos uma bala real mirou em direção a câmera e as duas vítimas, que estavam por trás da câmera, receberam o disparo da bala.
As investigações, tanto policiais como dos órgãos de segurança do trabalho, foram iniciadas logo em seguida ao ocorrido. No dia 20 de abril passado, o órgão regulador da segurança do Novo México anunciou que vai aplicar a multa mais alta possível para a empresa produtora do filme “Rust”, por negligência de segurança que resultou na morte de Halyna Hutchins.
A multa será de US$ 139 mil, correspondente a R$ 650 mil. O relatório do Departamento de Saúde e Segurança no Trabalho do Novo México, estado do sul dos Estados Unidos em que o filme era gravado, cita diversas violações de protocolos de segurança no set de filmagens.
As autoridades concluíram que os produtores do longa-metragem “sabiam que as medidas de segurança com armas de fogo não estavam sendo respeitadas”, diz a agência AFP.
“A indústria do cinema tem protocolos claros a nível nacional para garantir a segurança com o uso de armas”, justificou o departamento, mas “quando essas práticas não foram seguidas, houve a perda evitável de uma vida”.
“A Rust Movie Productions, LLC não seguiu esses protocolos nem tomou medidas para proteger seus trabalhadores”, acrescenta o texto, que cita que queixas da equipe sobre ocasiões anteriores de problemas com armas foram ignoradas.
Investigação de SST
Para Diógenes Calheiros, técnico de segurança do trabalho e especialista em Investigação de Acidente de Trabalho: “a aplicação da multa é bem-vinda considerando que uma trabalhadora foi a óbito, porém devemos questionar neste acidente a análise da investigação, visando aprendizagens para que fatos como esse não venham se repetir”.
Calheiros conta que o ator George Clooney, em recente entrevista a um podcast, fala sobre sempre verificar suas armas de filme. “Ele não confia em outra pessoa dizendo-lhe que uma arma é ‘fria’ ou segura. Em certa medida, Clooney mostra menos confiança nas informações que ele pode obter de outras pessoas”. Segundo Calheiros, ao ser entrevistado em um recente podcast Clooney disse: “Toda vez que me recebem com uma arma no set… Eu olho para ele, eu abro, mostro para a pessoa para quem estou apontando, mostro para a tripulação… Cada tomada”. Com isso, Diógenes Calheiros observa que o ator deixa claro que a segurança com esse tipo de equipamento é essencial.
Ele informa que análises ou Investigações de Acidente de trabalho é uma das principais atividades dos profissionais de segurança do trabalho visto que sua importância tem por objetivo o entendimento e compreensão de que os fatos acontecidos que levaram ao sinistro não se repitam.
Diógenes Calheiros ressalta ainda que filmes de ação têm cenas que são produzidas em condições perigosas, portanto é importante contar com uma equipe competente em segurança e avaliação de riscos para não somente analisar as condições materiais da atividade, mas entender o ambiente e os sinais que, no caso das gravações do filme Rust, foram ignorados, quando nenhuma ação foi tomada, em descargas acidentais anteriores na mesma estação de filmes. “Eram quase erros que poderiam ter sido aprendidos e evitados. Somente a multa, desacompanhada de um protocolo de segurança, não é garantia que eventos, como o que vitimou a cineasta Halyna Hutchins, não voltem a acontecer”, observa o especialista.
Fatores organizacionais
Com base nesta perspectiva, Calheiros afirma que as investigações de acidentes do trabalho devem não se limitar a uma visão imediata do erro humano. “Não podemos vê-los como eventos indesejados que decorrem de falhas dos trabalhadores, sejam por omissão ou ações, de não seguir normas, procedimentos e prescrições de segurança”, pontua.
Calheiros destaca que investigações de acidentes em que concluem a imperícia, negligência ou imprudência como causa para o acidente, concluindo o trabalhador foi desleixado com a sua atividade, pecam em não considerar os fatores organizacionais que possibilitaram, permitiram ou contribuíram para o sinistro. “O erro do trabalhador é a ponta do iceberg, mas não entender esse erro como os dilemas, pressão e angústias tem como causa mais profunda a natureza organizacional”, informa.
O especialista salienta que compreender acidentes como eventos simples que tenha como causas falhas dos trabalhadores, sejam em ações ou omissões, motivados por poucas causas são análises grosseiras e limitadas que não cumprem o objetivo das análises de acidentes que são correção dos fatores mais profundos e latentes que originam acidentes. “Falhas humanas são consequências e não causas e estas estão no sistema ou falhas na gestão das organizações”, diz.
Para Calheiros, não seguir esta linha nas análises de acidente leva a conclusões equivocadas, fora da realidade e limitadas do acidente deixando que as falhas latentes, aquelas que estão na raiz do acidente continuem e contribuem para outros acidentes. “O erro humano deve ser visto como o ponto de partida das investigações, mas nunca o seu final”, conclui.