Saúde ocupacional para professores: um caminho possível?
“O professor é a pessoa que faz a função de ensinar os alunos no local de trabalho chamado escola. Para uma educação adequada, deve haver debate social e consenso sobre a definição de educação, com implicações, métodos e conscientização sobre o assunto”. Com essas palavras, Kim Jae-kwang, membro do Instituto de Pesquisa da Coreia do Sul para Segurança e Saúde no Trabalho e atual professor do ensino médio, escreveu um artigo sobre a exaustão nos profissionais de ensino daquele país, conhecido pela educação de excelência.
O conjunto difícil de jornadas longas, muitas vezes em mais de um estabelecimento, desvalorização do trabalho e complexidades que afetam a saúde física e mental é também uma realidade sensível que acontece com os professores no Brasil, especialmente durante e após pandemia de Covid-19.
Saúde dos Professores
A pesquisa Saúde Mental dos Educadores 2022, realizada pela revista Nova Escola, em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, revelou que o número de educadores que consideraram sua saúde mental “ruim” ou “muito ruim” aumentou em relação a 2021: de 13,7% para 21,5%. Sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%) foram os itens relatados pelos cinco mil profissionais ouvidos, entre professores e gestores de todos os estados do País e do Distrito Federal, sendo 84,6% deles da rede pública.
“Ter uma atitude de respeito, atenção, valorização e apoio aos professores é fundamental. A pandemia trouxe grandes perdas e traumas, e escancarou muitos problemas, requerendo sensibilização, mas trouxe também consigo oportunidades imensas de um recomeço”, frisa Jefferson Peixoto da Silva, tecnologista da Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e doutor em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP, em entrevista para edição 502 de CIPA.
Ausência de Segurança
A 19ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou recentemente a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo a cumprir obrigações relativas à saúde e segurança do trabalho nas suas unidades educacionais de abrangência, de modo a proteger seus trabalhadores contra acidentes e doenças ocupacionais.
Dentre as obrigatoriedades, assegurar condições de saúde e meio ambiente de trabalho dignas aos servidores e outros trabalhadores que exercem suas atividades nas unidades educacionais, como implantar Serviço Especializado de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e constituir Comissão Interna de Prevenção de Acidente e Assédio (CIPA) nas unidades de abrangência das Secretarias de Educação do estado, sob pena de multa mensal a cada descumprimento no valor de R$ 10 mil, além do pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 400 mil.
Na outra ponta, o governo estadual anunciou em abril, na escola Thomazia Montoro, local que em março houve a morte da professora Elisabeth Tenreiro por um aluno, um pacote com políticas públicas para ampliar a segurança da comunidade escolar em todo o estado. Dentre as medidas, R$ 240 milhões para contratação de 550 psicólogos e mil seguranças privados para atuar nas escolas estaduais.
No site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) é possível encontrar uma matéria sobre o programa Ame sua Mente na Escola, realizado com o apoio do Instituto ABCD e da Associação Umane, que “visa estabelecer uma nova cultura sobre saúde mental no ambiente escolar, trabalhar a prevenção dos transtornos mentais na juventude, redução dos estigmas e a resolução de questões de saúde mental relacionadas ao processo de aprendizagem, o que engloba promover o autocuidado em relação à saúde mental dos próprios educadores”.
Iniciativas
Na Bahia, uma das ações é o Programa de Atenção à Saúde do Professor. Desenvolvido pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria da Educação, leva ações e serviços voltados para o cuidado e atenção à saúde do professor da Rede Pública Estadual de Ensino. Durante o período mais restritivo da pandemia, a ação promoveu uma série de lives e conversas entre professores e psicólogos. “Reforço a importância do acolhimento psicológico individualizado e a continuação das ações em grupo do programa nas unidades escolares, trabalhando as questões socioafetivas e estabelecendo contato, mesmo que virtual, com amigos e colegas”, disse Maria do Rosário Muricy, superintendente de Recursos Humanos da Educação, à época.
Outro exemplo é da psicóloga escolar Pricila Tobias, que atua na Secretaria Municipal de Educação de Vargeão, SC, que em 2021, em parceria com Carmen Raymundi, secretária de educação, desenvolveram o projeto socioemocional “Cuidando de Quem Cuida”. O projeto premiado engloba toda a comunidade escolar, de professores e gestores a merendeiras, motoristas de transporte e porteiros. Aulas de ioga, auriculoterapia, atendimento psicológico, orientação nutricional, preparador físico, fonoaudiologia, escutas coletivas e individuais estão no rol de atividades. “A escuta ativa é a espinha dorsal da educação. Não faz sentido acolher o aluno quando ele chega na escola com suas várias questões se nós estivermos com uma equipe emocionalmente fragilizada”, comentou ao site Vi Crescer.
“Poder contar com programas de ajuda médica especializada para lidar com os efeitos nocivos do trabalho, de modo preferencialmente preventivo, também é necessário e oferece boa ajuda, mas o que é mais recomendado como eficaz para a prevenção ocupacional não está no nível individual ou pessoal, está no organizacional. É preciso que mudanças sejam feitas no nível estrutural da organização, isto é, na organização do trabalho dos professores, pois são medidas dessa natureza que podem atuar sobre os determinantes dos processos de adoecimento relacionados ao trabalho”, reforça Jefferson Peixoto da Silva, da Fundacentro.
Silva detalha que é preciso também pensar em programas de formação que estimulem aprofundamento e mudança de mentalidade, concedendo aos gestores meios para adquirir e usar ferramentas novas e apropriadas ao caso das questões de saúde ocupacional, lembrando que há também outras questões internas que esse profissional também precisa trabalhar, ou seja, as respostas não se encontram somente na própria área, mas fora dela.
“É preciso que os gestores possam compreender a relação saúde-trabalho pela perspectiva que lhe é mais apropriada, de modo a entenderem como e por que as pessoas podem adoecer e adoecem em decorrência do trabalho, e o que devem e podem fazer para evitar isso, sendo orientados e sensibilizados a considerar tal perspectiva”, finaliza.
Foto: Freepik