Segurança jurídica dá suporte para uso da telemedicina na saúde ocupacional

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A recente Resolução nº 2.314/2022 do CFM traz, finalmente, a autorização definitiva da telemedicina no país, sem vincular tal procedimento ao estado de emergência. Foi longo o período de incertezas, com uma tecnologia disponível no mercado, mas sem uma legislação específica para trazer segurança jurídica aos médicos.

Segundo a advogada, Daniele Dobner Eda, sócia do escritório Virmond & Dobner Advogados e especialista em Direito Médico e Medicina e Segurança Ocupacional, sabe-se que seu início se deu a partir da necessidade diante de uma pandemia mundial e, com a urgência do momento, as leis e resoluções vigentes à época não foram capazes de garantir ao profissional, um procedimento para utilização da tecnologia que tivesse segurança jurídica.

“Na Medicina do Trabalho, o cenário trouxe mais incertezas. Uma parte dos profissionais entendia que a Telemedicina caberia apenas para suprir a necessidade da linha de frente, com o atendimento inicial daqueles casos suspeitos ou acometidos pela Covid-19, com intuito de diminuir as demandas hospitalares, disponibilizando tal espaço apenas para os casos críticos”, informa a especialista.

 

Emergência pública

 

Paralelamente, ela cita que surgiu entendimento diverso, o de que a Telemedicina poderia ser utilizada para além dos casos emergenciais da pandemia, incluindo-se a Medicina do Trabalho, ante a necessidade de isolamento e o deslocamento das pessoas apenas para atividades extremamente necessárias. “De acordo com seu histórico, em um primeiro momento a telemedicina foi aprovada diante da emergência pública vivida pela Pandemia, em 15 de abril de 2020, através da Lei 13.989 e perdurou até o fim da condição de emergência pública, em 22 de abril de 2022. Não havia, na lei citada, a liberação ou proibição expressa da tecnologia para Medicina do Trabalho, trazendo incerteza aos profissionais”, relata Daniele.

Ela informa que a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), declarou expressamente, mediante ofício, a discordância quanto à utilização da telemedicina para o âmbito ocupacional. No entanto houve dúvidas quanto a sua proibição, carecendo o ofício de força legislativa. “Entre 15 de abril de 2020 e 5 de agosto de 2021, ou seja, por mais de um ano, empresas se utilizaram da telemedicina para realizar exames ocupacionais, sem uma regulamentação específica. Porém, com o advento da Resolução nº 2.297 de 05 de agosto de 2021, houve proibição expressa para a situação”, diz e, comenta:

Art. 6º É vedado ao médico que presta assistência ao trabalhador:

I – Realizar exame médico ocupacional com recursos de telemedicina, sem o exame presencial do trabalhador.

 

“Dessa forma, as empresas que antes se utilizavam do recurso da telemedicina para atendimento ao trabalhador, foram obrigadas a cessar, em atendimento à Resolução”, destaca.

 

Ocorre que, a Resolução nº 2.314/2022, atualmente vigente, dispõe que a Telemedicina poderá ser utilizada para “prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde”, consoante se extrai abaixo:

 

Art. 1º – Definir a telemedicina como o exercício da medicina mediado por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde.

 

            “Da leitura do artigo acima transcrito depreende-se que a medicina do trabalho nada mais é do que o ramo da medicina que trata da relação entre os trabalhadores e o trabalho, com intuito principal de prevenção dos acidentes e doenças ocupacionais, como também a promoção de saúde e qualidade de vida”, diz a advogada.

 

Adicione-se a isso a revogação das disposições anteriores à Resolução da telemedicina em vigor:

 

Art. 21. Fica revogada a Resolução CFM nº 1.643/2002, publicada no DOU de 26 de agosto de 2002, Seção I, pg. 205 e todas as disposições em contrário.

 

            “Em minha análise, a Resolução 2.314/2022 revoga a Resolução de proibição da telemedicina em exames ocupacionais (Resolução 2.297/2021), visto que pelo texto extraído da legislação vigente, há contrariedade quanto a proibição. Embasando-se na prevenção de doenças, lesões ocupacionais, e promoção e gestão da saúde, que, conforme já dito, nada mais é do que o escopo, propriamente dito, da Medicina do Trabalho”, aponta.

Consenso

 

Porém, por ainda não constar expressamente tal revogação ou autorização, sendo o entendimento apenas por interpretação, a incerteza jurídica ainda permanece, ao ver de Daniela, ao invés de se limitar a duas correntes de opiniões e interpretações extremistas, podemos chegar a um consenso, com limites básicos que abrangem ambas.

 

“Vejamos, hoje a Medicina do Trabalho é, na maioria das vezes, a única oportunidade que dispõe o trabalhador de ter um acompanhamento médico, sendo responsável, o médico do trabalho, pelo diagnóstico inicial de muitas doenças. Nesta linha, adentra-se na chamada “precarização da Medicina do Trabalho”, justificando que a Telemedicina tiraria a oportunidade dada ao trabalhador de ter o contato com o médico e, através do exame físico o diagnóstico”, salienta.

Trazendo tal questão acima e aplicando-se os limites básicos sem a extremidade da interpretação, a advogada afirma: “temos que: os exames médicos admissionais bem como àqueles que demandem análise de exame complementar, que compõe o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO), devam ser feitos, obrigatoriamente por via presencial. Respeitando, desta forma, o primeiro contato do paciente com o médico. Sugere-se ainda, que no exame demissional conste a obrigatoriedade da modalidade presencial, visto que é o último contato e análise que o médico possuirá de diagnosticar o trabalhador com qualquer doença advinda do âmbito laboral”.

 

Dessa forma, para utilização da tecnologia, ela explica que restam os exames intermediários (periódico, mudança de função, monitoração pontual, acompanhamento de atestados e afastados). “Esta alternativa respeita o contato do médico com o trabalhador mediante o exame físico inicial, defendido pela corrente conservadora e, atentando-seàs tecnologias que tantas outras áreas da medicina estão usufruindo”, completa.

 

Salienta-se que a própria Resolução traz como responsabilidade do médico examinador, a opção pela Telemedicina, devendo este indicar o exame presencial para a continuidade do ato, conforme conta no artigo 4º:

 

Art. 4º – Ao médico é assegurada a autonomia de decidir se utiliza ou recusa a telemedicina, indicando o atendimento presencial sempre que entender necessário.

  • 1º. A autonomia médica está limitada à beneficência e à não maleficência do paciente, em consonância com os preceitos éticos e legais.
  • 2º. A autonomia médica está diretamente relacionada à responsabilidade pelo ato médico.
  • 3º. O médico, ao atender por telemedicina, deve proporcionar linha de cuidados ao paciente, visando a sua segurança e a qualidade da assistência, indicando o atendimento presencial na evidência de riscos.

 

A advogada salienta que o atendimento presencial permanece como padrão ouro, sendo que a opção pela telemedicina em sua integralidade no atendimento, assume todas as responsabilidades advindas deste.

 

Para ela, portanto, existe uma grande oportunidade de crescimento para a medicina com a autorização desta tecnologia que já está sendo utilizada grandemente por outras áreas. “Cabe à Medicina do Trabalho escolher se vai avançar neste crescimento junto as demais áreas ou se manter-se-á em seu conservadorismo, retardando um processo que, de uma maneira ou outra, é inevitável. O mundo digital é inerente à contemporaneidade, não há como fugir dele”, conclui.

 

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