Gestão da saúde mental nos ambientes de trabalho

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O teletrabalho foi uma das principais medidas para se evitar a contaminação e o adoecimento pela Covid-19 durante a pandemia, mas trouxe consequências psicoemocionais para os trabalhadores que culminaram no aumento dos casos de Síndrome de Burnout e outros transtornos mentais. Entre os desafios, o despreparo dos gestores para lidar com a saúde mental dos seus colaboradores ficou mais exposto e exigiu ações para adequação à nova realidade, tratamentos mais direcionados e, sobretudo, a prevenção contra novos adoecimentos.

Segundo Letícia Maria Akel Mameri Trés, médica do trabalho e psiquiatra, membro da comissão técnica de saúde mental da Associação Nacional dos Médicos do Trabalho (Anamt) e coordenadora da comissão técnica de Psiquiatria e Trabalho da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), durante a pandemia, por exemplo, os profissionais dessas áreas buscaram várias ferramentas para atuar e conseguir atenuar os problemas e conduzir melhor a gestão da saúde mental nos ambientes laborais.

“A pandemia trouxe a possibilidade de fazermos o atendimento online e melhorou muito a proximidade com os trabalhadores. No meu caso, não aplico o teleatendimento na Medicina do Trabalho, mas faço as avaliações de Psiquiatria do Trabalho, portanto o sistema facilita o atendimento aos trabalhadores que estão fisicamente mais distantes das regiões metropolitanas”, destaca. Para ela, o lado positivo da pandemia é que agora contamos com a democratização desse atendimento. “A questão negativa está na dificuldade de atuação dos trabalhadores da linha de frente nas empresas e, por consequência, o nosso, profissionais da área da saúde, por estarmos na linha de frente também, junto com esses trabalhadores”.

 

Reflexos da pandemia

 

Neste novo cenário, a especialista vê o papel do Médico do Trabalho como sendo um papel cada vez mais amplo. “O médico do trabalho necessita de conhecimentos diversos na área da saúde, principalmente os relativos à Psiquiatria. Tivemos uma fase na qual os distúrbios osteomusculares apresentavam maior incidência nos ambientes laborais e os médicos do trabalho, com conhecimento em Ortopedia, tinham uma demanda maior do que os demais, mas, hoje, estamos vendo as questões relativas à saúde mental suplantar esse quadro. Por isso, um médico do trabalho que não tenha um profundo conhecimento em Psiquiatria vai ficar inseguro porque os desafios estão cada vez maiores”, explica.

Ela orienta que esse não é um quadro para ter medo, uma vez que o paciente psiquiatra não é perigoso ou agressivo, mas é um paciente que apresenta uma maior complexidade em relação às outras áreas da Medicina e precisa, dessa forma, é necessário que o médico do trabalho tenha um conhecimento aprofundado sobre o assunto para atendê-lo.

A pandemia trouxe à tona a questão psicoemocional, mas para as pessoas que atuam na Medicina do Trabalho, Dra. Letícia considera que isso não foi nenhuma novidade. “Desde 2014, por exemplo, já temos uma procura dos médicos do trabalho com maior conhecimento nessa área, além da proposição, para as empresas, de programas de saúde mental. A questão é que isso não era bem recebido pelas empresas, por que elas ficavam sempre com a sensação de que se tratassem esse tema, estariam assumindo um adoecimento ao trabalhador, quando na verdade, essa questão do adoecimento mental e das relações de trabalho é muito maior do que isso. Nós, estando com os trabalhadores nas empresas, muitas vezes temos a oportunidade de propor um início de tratamento para um adoecimento mental que não foi nem ocasionado por aquela empresa, mas que está afetando, de alguma forma, a performance do trabalhador, então buscamos mostrar que essa situação, para a empresa atual, se não for conduzida de forma adequada, vai trazer um prejuízo”, observa.

A médica cita que foram muitos os problemas na adaptação ao trabalho remoto, por exemplo, em razão de que houve uma mudança brusca na rotina dos trabalhadores e toda mudança requer um gasto psíquico maior. “A mudança tem fases, uma das primeiras é a negação, a dificuldade na gestão dos problemas. Lidamos com isso tudo na pandemia, e agora, com a transição, temos que lidar com o contrário, que traz a grande dificuldade de alguns trabalhadores quererem voltar ao sistema presencial”, aponta.

 

Tratamento individualizado

 

Para ela, quando se trata de saúde mental, o médico tem que conduzira questão conforme cada caso. “Essas questões relativas à saúde mental, quando falamos de tratativa tem que ser feito de maneira muito individualizada e customizada. Quando se trata de prevenção, muitas vezes, conseguimos fazer um cenário de amplitude maior, mas quando já está no estágio do adoecimento, que precisa intervir, isso, a maior parte das vezes, tem que ter entendido de forma individual, porque o que afeta um, não necessariamente é o que afeta o outro, e a forma de tratamento também deve ser diferente.

Para a especialista, a liderança tem um papel imprescindível na gestão saúde de seus funcionários. “Mas precisamos considerar também a saúde mental dessas lideranças e a saúde mental da liderança dessas lideranças, até chegar nos cargos mais altos, nas direções das empresas. O que nós sentimos no operacional, no chão de fábrica, nada mais é do que reflexo desses modelos de liderança. Portanto, se estão ocorrendo problemas com a liderança imediata é porque isso está vindo desde a alta direção e de questões relacionadas, às vezes, até com a identidade cultural da empresa”, explica.

Ela orienta que esses líderes vejam os seus liderados com as características individuais que eles têm. “Não tente fazer uma receita de bolo motivacional para sua equipe toda. O que você vai fazer para motivar um pode desmotivar o outro. É complicado e desafiador, mas essas lideranças precisam avaliar cada pessoa da sua equipe em separado e deve conduzir o trabalho de forma adaptada. Essa individualização é muito importante, ver o indivíduo como ser individual que ele é e evitar a comparação”, salienta.

Quando o trabalhador percebe que não está bem, principalmente quando tem sofrimento e alteração funcional, por exemplo, problemas para dormir, se alimentar, mudanças na forma de relacionamento com as pessoas, baixa performance no trabalho, entre outros, são sinais e sintomas indicativos da necessidade da procura por um psiquiatra. Nesses casos Dra. Letícia destaca que é muito interessante que procure o médico do trabalho na empresa e converse com ele sobre esses sintomas e peça indicação de tratamento. “E que o médico e psiquiatra do trabalho possam fazer um acompanhamento multidisciplinar, às vezes com equipe de psicólogos, assistentes sociais”, pontua.

De acordo com ela, quanto mais profissionais disponíveis nessa equipe multidisciplinar para acompanhar esse trabalhador, melhor. “O trabalhador vai ter um apoio mais direcionado e vai melhorar mais rápido, afetando de forma benéfica todo mundo: o trabalhador e a empresa também. Todo o dinheiro investido na melhora clínica desse trabalhador retorna para a empresa. É muito importante que o trabalhador procure o serviço de medicina do trabalho, procure um psiquiatra, para começar um tratamento médico o mais breve possível”, conclui.

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