Exagero não é prevenção: é custo
Por Cosmo Palasio de Moraes Jr.
Sócio-diretor da CP Soluções em Prevenção; técnico de segurança do trabalho; tem formação complementar em Higiene e Ergonomia; é Lead Assessor e auditor de saúde/segurança e qualidade; coordenador do grupo virtual e-group SESMT e outros sites ligados a SST; consultor e palestrante na área
Merece atenção o momento que vivemos em relação à prevenção de acidentes em muitas das empresas brasileiras. Um ponto muito importante a ser mencionado e com certeza que carece de análise diz respeito à mudança do comportamento dos profissionais e, por consequência, das empresas que eles representam em relação a emissão de documentos.
Se no passado, nossa área tinha problemas pela falta de documentos ou mesmo registros, nos tempos atuais se nota que passamos de um extremo ao outro sem nos darmos conta que na verdade o ponto mais interessante seria o meio entre as duas condições.
Se antes faltava papel – hoje eles sobram e, mais do que isso, na grande maioria dos casos servem apenas para alimentar sistemas burocráticos que pouco ou nada agregam valor a prevenção.
Em muitas empresas existem, hoje, listas de solicitações que mais lembram aquelas velhas listas de noivos deixadas em lojas informando os presentes desejados.
Na verdade, o problema não está na existência das listas, mas, com certeza, no conteúdo que alguma delas tem que, em boa parte dos casos, demonstra, com clareza, que quem a definiu o fez copiando de outras empresas sem observar a realidade local.
Gestão equivocada
Tais exageros conduzem a uma série de problemas e geram custos totalmente desnecessários e mostram, acima de tudo, que certos gestores não conhecem o assunto do qual cuidam ou, se conhecem, não tiveram tempo ou interesse em analisar com mais critérios as exigências que fazem. Isso tudo mostra uma gestão equivocada: prevenção e exagero jamais foram sinônimos.
No mais, essas listas geram custos e não é incomum encontrarmos em um mercado, onde boa parte das consultorias não observa qualquer tipo de ética em relação aos seus clientes, prestadores de serviços que cobram muito caro por documentos e, mesmo, treinamentos que não tem qualquer utilidade real em termos preventivos.
E não bastasse isso, nota-se que os documentos solicitados muitas vezes nem chegam a ser analisados pelos contratantes. Isso é muito para nossa área, pois gera descrédito entre as partes e a insere no rol das muitas coisas que são feitas por fazer em nosso País, sem qualquer utilidade prática ou real necessidade e apenas para alimentar sistemas totalmente dispensáveis.
Melhor seria que exigíssemos poucos, mas que esse pouco fosse de fato observado e utilizado. Melhor ainda que o que é o exigido tivesse algum sentido ou utilidade e não fosse apenas uma espécie de cancela simbólica entre a segurança e ausência desta. Muitos de nós, da prevenção, temos contribuído para que nossa área seja vista como uma área de certidões e papeis, quando, na verdade, estes não deveriam ser mais do que evidências de práticas sérias e saudáveis capazes de contribuir para trabalhos realizados de forma segura e saudável.
Sinceramente não creio que esses nossos colegas tenham este tipo de procedimento intencionalmente, antes acho que falta um pouco de análise mais critica, de rever os paradigmas e conceitos e partir na direção de uma prevenção mais verdadeira e real.
Quais os reais objetivos da prevenção?
Esta questão sobre os reais objetivos da prevenção é essencial no planejamento de qualquer atividade em nossa área, até porque se bem compreendida tem a capacidade de afastar de vez os ranços e valores de uma prevenção antiga que não deveria ser mais praticada, e, que talvez, o seja pela falta de revisão valores entre os profissionais. Infelizmente, muito do que é ainda é feito em nome da prevenção pouco ou nada tem haver com o que de fato é necessário para que se obtenham resultados mais verdadeiros.
A verdadeira função final da prevenção dentro de uma empresa é assegurar a continuidade do negócio, assim como também é esta a função de todas as demais áreas de uma empresa. Equivocam-se quem pensa que a função final da manutenção, por exemplo, é simplesmente consertar máquinas, assim como quem acredita que a área da qualidade esteja ali com a função final de garantir qualidade do produto. Entender este ponto é de suma importância para nós, que trabalhamos em uma área baseada e cercada por leis, fato este que nos leva a crer que estamos distantes e isentos da preocupação com o negócio e seu destino – sem negócio não tem produção, sem produção não tem trabalho, sem trabalho como podemos fazer segurança no trabalho?
Não estou dizendo com isso que o principal foco de nossa atuação seja a obtenção do lucro – jamais o diria – mas quero afirmar que nossa atuação sendo ética e correta deve, ao mesmo tempo, ir nesta direção, até porque não estamos isentos e não excluídos da realidade da gestão empresarial embora poucos percebam isso.
Isso nos remete ao entendimento de que a gestão da prevenção não pode ser um adendo do negócio ou algo a ser tratado de forma excepcional. Aliás, esta visão contribuiu e segue contribuindo para que as demais áreas não tenham adesão com o assunto. A nós cabe inserir prevenção no contexto e não torná-la um assunto de nossa responsabilidade e o grau desta inserção deve seguir critérios que todas as demais áreas de uma empresa obrigatoriamente observam, tais como planejamento adequado e equilibrado, redução de custos, racionalização de recursos e meios, etc.
Quando passamos a entender a função, com certeza, começamos a notar que exageros nos fazem ser vistos de uma forma um tanto quanto estranha no “ninho” ao mesmo tempo embora, as pessoas de outras áreas, de certa forma, desconfiem dos exageros, sentem um certo receio devido a associação de nossa área com aspectos legais. E, assim, as aberrações seguem com os demais temendo vir em nossa direção por razões citadas anteriormente e nós sem entenderemos que precisamos modernizar e racionalizar, tanto pelo bem da manutenção do negócio, como muito, especialmente, pela busca de uma prevenção mais facilmente compreensível.
Falando um pouco dos exageros
A primeira coisa que precisa ser dita aqui é que se uma empresa não é boa para prestar serviços não será um monte de papel que a fará melhor, isso é uma certeza. Bem provável que em uma relação dessas, o colega do SSMT receba em sua mesa os mais lindos programas e documentos que já viu na vida – que pouco tem haver com prevenção e muitos nos lembram aqueles antigos trabalhos escolares, nos quais as capas valiam mais do que todo conteúdo. Muitos destes programas trarão, de cortesia, cópias inteiras de normas e tudo isso irá com certeza agradar um gestor despreparado e vaidoso.
A boa gestão da prevenção – em empresas que querem afirmar que assim o fazem – começa na possibilidade de que o SESMT participe na definição e emissão do memorial de concorrência e que este saiba não apenas copiar normas ou fazer links com estas – MAS DESCREVA ALI o que é importante, ponha no preto e branco e de forma clara e objetiva quais são as regras do jogo, isso, aliás, é prevenção: chegar antes de. Importante também que o mesmo SESMT esteja envolvido nos contatos iniciais com as futuras parceiras ou contratadas.
O que deve ser exigido será sempre proporcional ao risco da atividade a ser desenvolvida e também a capacidade de análise de quem estará recebendo, fora isso é papel para prevencionista colecionar e, mais do que isso, aquilo que pode parecer que diante de um caso de acidente ou doença irá nos isentar e culpa e fica ali, bem guardado nas nossas estantes ou gavetas, e pode se não for analisado ou entendido, tornar-se algo totalmente contra nossa gestão. Se eu exigi, aceitei, concordei e tinha discernimento técnico para não o fazê-lo, melhor que não o tivesse feito. Se, hoje, nosso judiciário ainda tem dificuldades para entender de fato as questões de culpa em acidente e doença do trabalho isso, com certeza, não irão durar para sempre. É importante entender também este ponto.
No mais, entre a beleza e a praticidade existe a realidade, que, no nosso caso, mata, mutila e adoece. Assim há de se pensar muito bem quanto a alguns modelos que vem sendo adotados, especialmente, em grandes empresas, por exemplo, de análise preliminar de riscos, que são verdadeiros tratados de nada do ponto de vista prático e, quando falamos de trabalhadores que têm dificuldades, até mesmo com as Ordens de Serviço mais rudimentares.
Quando falamos em prevenção, falamos na verdade de ferramentas capazes de serem úteis às partes expostas e não às gerencias e corpo técnico. E não será qualquer surpresa se um dia desses em uma ação por acidente alguém rejeitar os documentos apresentados visto que embora sejam, tecnicamente até embasados para a prática daquilo que se destinam, pouco ou nada servem. Por aqui, há de se dizer que da necessidade de contermos o deslumbramento e nos atermos à praticidade e, se, para uma vida ser poupada, o que interesse em um pedaço de papel de pão é ele ser capaz de cumprir sua função, então, que seja o papel de pão. Não é a sofisticação que faz uma área ser mais técnica, são os resultados.
Importante também lembrar que qualquer exigência a ser feita deve ter uma razão objetiva e que razões objetivas para serem encontradas necessitam que se passe pelo caminho de uma análise a partir de critérios técnicos, distante de afirmações sobre certas tradições, cultura ou coisa do gênero. Isso quer dizer, traduzindo para um português mais claro, menos crendices e mais conhecimento. Neste ponto, não vale coisas tais como: “faço porque ouvi falar”, “faço porque em tal lugar se faz” e, no lugar disso, devemos afirmar que fazemos porque há uma razão cientifica ou técnica para que seja feito. E que, o ato de adotarmos aquela prática, nos faz agregarmos valor ao negócio e a prevenção.
No rol destas coisas, ou práticas infundadas, está a prescrição exagerada do uso do EPI, a exigência de diversos exames médicos que pouco ou nada dizem respeito a este ou aquele tipo de trabalho, a realização de integrações que não contribuem de fato para a prevenção, a exigência de documentos sem critérios que assegurem a qualidade dos mesmos, etc. Tudo isso tem em comum o vazio em relação a qualquer tipo de utilidade para as partes envolvidas e alimenta um sub sistema de prestação de serviços que depõem contra a nossa área. Melhor então exigir o necessário, mas que este necessário seja levado a sério e tenha finalidade.
Mas a lei pede…
Tenho dito e repetido muitas vezes, seja em eventos ou pessoalmente, à colegas com que partilho o dia a dia, que o bom uso de uma legislação passa necessariamente pela interpretação da mesma e indo um pouco mais longe pelo entendimento da intenção do legislador. Quando digo e repito isso, vem sempre à minha mente a ideia de como seria nossa área se as pessoas fizessem isso. Toda legislação tem um objetivo que nem sempre é o seu mero cumprimento puro e simples e, por isso, precisa de profissionais competentes para fazer esta tradução e transformar aquele conteúdo em práticas. O grande problema é que muita gente sabe ler leis, mas pouco sabe sobre práticas.
Um bom profissional não decora legislação, entende seu sentido e se vale das normas para amparar/embasar legalmente seus trabalhos e propostas.
Profissionais técnicos vão além da norma, fazem da norma práticas gerenciais.
E mais do que isso, diante do emaranhado de exigências, algumas delas até redundantes, até porque são feitas, em alguns casos, por pessoas que tem visão equivocada sobre o assunto, analisam, escolhem e compõem seu gerenciamento em relação a determinado assunto, algo assim com uma receita própria, definindo ingredientes, quantidades, doses, tempos. Obviamente, o faz de forma consciente e a partir de convicções e não se joga a aventuras, por exageros ou omissões.
Prevenção de acidentes não pode ser tratada como uma confecção em série, como modinha. Antes deve ser vista, respeitada e praticada como se fosse uma alfaiataria, na qual cada solução para cada empresa ou, mesmo, às vezes, dentro de uma empresa. para cada setor ou área, deve ser desenhada, conforme as necessidades, natureza, composição dos grupo de trabalhadores, etc.
O mesmo diz respeito aos famosos sistemas de gestão, que quando imaginávamos que seria um grande passo na direção de uma prevenção verdadeira, temos visto outra realidade totalmente distinta. É preciso que se diga que tudo aquilo que é definido e torna mais complicada a vida e a rotina das pessoas terá, proporcionalmente, delas um grande esforço para a criação de uma burla bem elaborada. Sistema de gestão, que complicam tem alguma coisa errada, até porque a organização de algo, se não seguir na direção da racionalização tende ao insucesso. Mudanças têm que melhorar a vida das pessoas e não torná-las pior.
Uma coisa é o meu desejo, outra coisa é a possibilidade de executá-lo e, entre estas duas coisas, reside o ponto onde se pode começar uma boa definição para a prática.
Uma coisa é imaginar que escrever prevenção pode ter algum resultado, outra coisa é esta escrita ser capaz de ser absorvida pela realidade dos que vão executá-la e transformar-se em prática e propiciar algum resultado.
A segurança impositiva pura e simples será sempre um exagero daqueles que imaginam que o trabalhador deixa de ser uma pessoa porque ganha para executar algum tipo de trabalho e passa a ser uma peça que pode ser posicionada da forma que alguns entenderem, seja boa e que, por isso, não tem opinião, não tem escolhas, etc.
Será exagero porque custará dinheiro e não trará resultados porque é impraticável visto que inobservou-se conhecimentos que não são ligados diretamente a técnica, mas da parte mais importante para que o processo tenha resultados: o homem. E daí em diante segue-se um desperdício de recursos incalculável tentando, através de treinamentos, campanhas e coisas do gênero, por em prática o que é impraticável, transformar em desejo comum o que é vontade de poucos. Um dia a direção da empresa acorda!
Em nome da prevenção é bom que façamos uma análise criteriosa do que temos tentando vender como segurança. Estamos lidando com vidas e destinos e isso deve ser levado em conta.