Um dos maiores “cemitérios de eletrônicos” do mundo envenena lentamente trabalhadores

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Área de Agbogbloshie, usada para o despejo de eletrônicos em Gana (Imagem: Reprodução/BBC Brasil)

Em um vasto lixão no oeste da capital de Gana, Acra, pequenas fogueiras queimam pilhas de velhos computadores, telas de TVs e laptops, lançando uma negra e espessa fumaça.

Ao redor delas, catadores recolhem placas-mãe, metais valiosos e fios de cobre, queimando pelo caminho as capas de plástico – e, assim, enchendo o ar de substâncias tóxicas.

Trata-se de um dos maiores “cemitérios de eletrônicos” do mundo, e um dos locais mais poluídos do planeta.

A cada ano centenas de milhares de toneladas de lixo eletrônico vindos da Europa e da América do Norte encontram neste espaço seu destino final, no qual têm seus metais valiosos extirpados em uma forma rudimentar de reciclagem.

Para muitos, é um negócio lucrativo em um país onde perto de um quarto da população vive abaixo da linha da pobreza.

“É algo instantâneo”, diz Sam Sandu, um sucateiro que trabalha no local. “Você trabalha nisso hoje e consegue seu dinheiro no mesmo dia.”

Especialistas alertam, porém, que as toxinas do lixão estão lentamente envenenando os trabalhadores locais, ao mesmo tempo em que poluem o solo e atmosfera.

“Mercúrio, chumbo, cádmio, arsênico – estas são as quatro substâncias mais tóxicas [no mundo], e são encontradas em grandes quantidades em lixões de eletrônicos”, explica Atiemo Smapson, um pesquisador da Comissão de Energia Atômica de Gana, que conduziu vários estudos sobre a área de Agbogbloshie, usada para o despejo.

Uma gama de doenças
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, ainda não foram realizados estudos de longo prazo sobre a saúde daqueles que tiram seu sustento desses lixões. Ou seja, há poucas informações sobre o número de pessoas que ficaram doentes ou morreram como resultado desse tipo de atividade.

No entanto, a exposição a essas toxinas é causa conhecida de uma gama de males, que vão desde a uma série de tipos de câncer a doenças no coração e respiratórias.

“As consequências já são, de certa forma, evidentes”, afirma Sampson. “Nós não precisamos esperar 10 ou 20 anos, os efeitos já são visíveis entre a comunidade ganense.”

Analistas estimam que o mundo vai produzir 93 milhões de toneladas de lixo eletrônico apenas neste ano – um volume cada vez maior é resultado da obsolescência de produtos de alta tecnologia.

Boa parte desses eletrônicos vai terminar em diversos lixões na África e na Ásia, em vez de serem reciclados no país em que foram vendidos.

O papel dos fabricantes
Em Gana, ativistas afirmam que boa parte desse envio é ilegal – infringindo regras da União Europeia que baniram a exportação de eletrônicos para descarte em países em desenvolvimento.

Entretanto, acredita-se que a maioria chega por meio da importação legal de produtos de segunda mão, enviados para alimentar a crescente demanda por eletrônicos baratos em economias como a do país.

Sampson afirma que os fabricantes têm uma responsabilidade e devem colaborar para a “limpar a bagunça” que seus produtos ajudaram a fazer.

“Concordo que temos uma lacuna tecnológica que deve ser preenchida”, diz. “Mas há, ao redor do mundo, uma crescente visão de que o fabricante do equipamento deve lidar com a responsabilidade na gestão do ‘fim do ciclo’.”

“Eles deveriam investir em sistemas de coleta, em programas de reciclagem na África. Seria moral e legalmente correto.”

Então, por que os fabricantes de eletrônicos não fazem mais?

Walter Alcorn é o vice-presidente de assuntos ambientais na Consumer Technology Association, entidade que representa as empresas de tecnologia nos Estados Unidos.

Segundo ele, os programas de coleta estão encorajando os consumidores a devolverem seus produtos velhos para reciclagem e prevenindo que eles sejam jogados fora e acabem, por exemplo, indo parar em países em desenvolvimento.

Mas Alcorn afirma que a diferença real ocorrerá conforme os fabricantes eliminem gradativamente o uso de produtos químicos perigosos e metais pesados.

“Nós estamos lidando com um legado, com produtos que têm 10 ou 20 anos de idade”, ele diz.

“Em último caso, nós veremos isso ser eliminado nos próximos 10 ou 20 anos. Nossa responsabilidade básica como indústria é fabricar produtos que são ambientalmente seguros e que não irão criar esses problemas no futuro.”

‘Problema enorme’
No entanto, ao menos no curto prazo, o despejo de lixo eletrônico em lugares como Agbogbloshie continuará a crescer. E para especialistas como o cientista Hywel Jones, da Sheffield Hallam University, do Reino Unido, a solução para o problema precisa ser compartilhada.

Seu projeto “What’s In My Stuff” (algo como “O que há nas dentro das minhas coisas”, em tradução livre) tem o objetivo de educar as pessoas sobre os materiais encontrados em um smartphone, por exemplo, ação com a qual ele espera poder ajudar a tornar os consumidores mais éticos.

“Dois bilhões de telefones celulares são fabricados todos os anos – já são mais de 15 bilhões desde 1994, e isso não conta câmeras, notebooks e TVs”, diz.

“Nós temos um problema enorme e estamos começando a consertá-lo com muito atraso. A ciência e a tecnologia nos levarão lá, mas em conjunto com o consumidor e o comportamento humano.”

 Fonte: BBC Brasil

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