Saúde mental dos carteiros de São Paulo foi tema de mestrado
A aluna da Pós-Graduação da Fundacentro, Emilia Maria Bongiovanni Watanabe, defendeu a dissertação de mestrado intitulada “Aspectos Psicossociais de Risco no Trabalho e a Saúde Mental dos Carteiros da Cidade de São Paulo”, no dia 23 de setembro de 2015, no CTN (Centro Técnico Nacional).
Watanabe se pautou nos indicadores de adoecimento psíquico, que apontam que os transtornos mentais ocupam terceiro lugar em número integral de concessões de auxílio-doença acidentário no país. A sua preocupação em entender essa questão a fez pesquisar a profissão de carteiro. O seu recorte foi nas atividades dos profissionais dos Correios da zona oeste do município de São Paulo. De acordo com a pesquisa, as atividades desenvolvidas pelos carteiros destacam-se em termos de afastamentos por agravos relacionados à saúde mental.
Segundo a Classificação Brasileira de Ocupação vigente (CBO versão 2002), os carteiros e operadores de triagem de serviços postais (família ocupacional 4152) são profissionais que exercem atividades que englobam: receber e expedir cargas, malas e objetos de serviços de correio. Além disso, são responsáveis por coletar, ordenar, conferir, fazer triagem e entregar cargas e objetos, por exemplo: encomendas, cartas, caixas, malotes e contêineres. Também prestam contas dos objetos coletados e entregues, assim como pesquisam e rastreiam os objetos.
O estudo foi composto pelos trabalhadores das áreas operacionais de cinco CDD (Centros de Distribuição Domiciliar) e quatro CEE (Centros de Entrega de Encomendas), os quais realizam suas atividades externas de entregas: motorizados e pedestres. Emilia Maria informa que, segundo dados da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) de maio de 2015, no Brasil são 119.411 trabalhadores efetivos. Cargos de carteiros correspondem a 60.951, ou seja, 51% do efetivo total. O serviço dos Correios no Estado de São Paulo englobam duas diretorias: a de São Paulo Metropolitana, que atua na capital, Grande São Paulo, Vale do Ribeira, Baixada Santista, Litoral Sul e Alto Tietê e a de São Paulo Interior, que atende aos demais municípios. Os funcionários da diretoria regional São Paulo Metropolitana correspondem a cerca de 16% do efetivo total do país (19.185 trabalhadores).
O processo de trabalho do carteiro, com relação ao local de atividade, pode ser estrita e exclusivamente interno ou misto, isto é, associando-se atividades internas às externas (sendo estas últimas as mais conhecidas da população em geral). Quando externo, o processo de trabalho pode ser realizado de duas maneiras: em modo pedestre ou motorizado. As atividades internas são caracterizadas pelas próprias condições de trabalho e sua organização. O trabalho externo pode levar o trabalhador a ambientes onde o clima (insolação, temperatura, vento, pluviosidade e umidade), o relevo geográfico e a ocupação humana do território – determinam riscos de diferentes naturezas e proporções. “Foi possível obter informações de que alguns lugares (de entregas da carga postal) apresentam perigos, sobretudo quando as mercadorias são valiosas, havendo circunstâncias em que intimidação e ameaça à integridade pessoal do trabalhador ocorrem. Neste caso, pode-se ter escolta; contudo, mesmo inibindo os assaltos, isso parece não eliminar por completo sua possibilidade de ocorrência”- relata a aluna.
Ainda sobre isso, a aluna salienta que alguns trabalhadores conseguem superar a situação vivenciada, porém, para outros funcionários, a mesma experiência pode provocar efeito danoso à saúde. “A fronteira do sofrimento é pessoal e individual”, informa Watanabe.
Método de estudo e resultado
Na pesquisa, de base quantitativa e delineamento transversal, foram aplicados questionários para que fossem colhidos dados pessoais e ocupacionais, do contexto de trabalho, de sintomas osteomusculares, de dependência de nicotina e álcool. Além disso, realizou-se a observação direta do ambiente de trabalho e das atividades exercidas pelos carteiros.
Os resultados mostraram como perfil dos trabalhadores do CDD: a idade média é de 42 anos, sendo 93,4% do sexo masculino, 3,3% do sexo feminino e 3,3% que optaram por não identificar sexo. A porcentagem de 70,5% corresponde aos profissionais casados e, em relação à escolaridade, destaca-se o ensino médio completo em 68,8% da amostra; já o tempo médio de empresa perfaz 16,9 anos.
No último ano, as queixas osteomusculares que mais ganharam evidência foram dores nas costas (parte inferior) 67,2%; 62,3% nos ombros; parte superior das costas e pés representam 59,0% (cada um); e joelhos em torno de 55,7%. Conforme pesquisa da mestra, os itens que causam gravidade correspondem à organização do trabalho; ritmo de trabalho excessivo; cobrança por resultados; normas rígidas para execução das tarefas; fiscalização do desempenho; número de pessoas insuficiente; tarefas repetitivas, divisão entre quem planeja e quem executa e distribuição injusta das tarefas. Na amostra estudada, suspeita-se que existam transtornos mentais comuns em 27,9% dos respondentes.
O perfil dos trabalhadores no CEE aponta idade média de 41 anos, predominância do sexo masculino em relação ao feminino, (95,6%, e 4,3% dessa amostra, respectivamente), tempo de serviço médio de 16,4 anos, a frequência de indivíduos casados é de 77,2%, e 63% são funcionários que têm ensino médio completo.
Com relação à saúde, as dores que sobressaem correspondem às costas (parte inferior) 58,7%, costas (parte superior) 56,5%, nos joelhos e ombros 51,1% (cada um), e pescoço 46,7%. Os resultados da aluna apontam indicadores graves tanto para as condições de trabalho quanto para a organização do trabalho.
“Isso ocorre porque esses trabalhadores, além da pressão de tempo, prazos e metas, estão sujeitos à violência urbana como assaltos e agressões”, relata Watanabe. Por fim, os perfis de consumo de risco, alto risco e provável dependência de álcool apresentaram as seguintes frequências porcentuais: 5,4%, 3,3% e 2,2% da amostra, respectivamente. Há suspeita de transtornos mentais comuns em 40,2% desses trabalhadores.
Com os resultados tanto dos CDD (Centros de Distribuição Domiciliar) quanto dos CEE (Centros de Entrega de Encomendas), os diagnósticos mostram que os fatores psicossociais representam risco de adoecimento físico e mental. Contudo, Emilia salienta que os resultados sobre a amostra estudada devem “servir como ponto de partida para ações de melhorias na gestão e qualidade de vida no trabalho”.
Em síntese, a pesquisa da aluna conclui que o ambiente e a organização do trabalho parecem estar intimamente relacionados ao absenteísmo, embora limitações intrínsecas ao método de investigação obstem falar em termos de causalidade. Outro ponto destacado enfatiza que a empresa deve propor melhorias no ambiente laboral e, que essas ações devem incluir a participação dos trabalhadores na definição de novas diretrizes da análise organizacional sobre o contexto do trabalho, especialmente quando se tratar das relações de troca de saberes entre trabalhador e a organização.
Watanabe, que é médica do trabalho, afirma que as informações colhidas visam a mudanças no ambiente de trabalho que possam melhorar as condições existentes. “Não se trata de focar apenas na máquina ou no ambiente, mas sim avaliar todo o contexto de trabalho que possa ter repercussões na saúde do trabalhador”, discorre a aluna.
O pesquisador da Fundacentro/SP, Ricardo Luiz Lorenzi, foi o orientador. Compuseram também a banca: a professora Renata Paparelli, doutora em psicologia social e do trabalho e a pesquisadora da Fundacentro/SP, Thais Helena de Carvalho Barreira, doutora na área de políticas públicas em saúde e segurança no trabalho.
Ao término da arguição, a aluna agradeceu os membros da banca, bem como salientou a colaboração da chefe do Serviço de Sociologia e Psicologia da Fundacentro, Tereza Luiza Ferreira dos Santos, também presente à defesa.
Fonte: Fundacentro